Sem Rodinhas

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Eu estava na rua lateral ao prédio em que morávamos. Uma rua de chão batido, árvores ao redor. No começo da rua ela começava estreita e depois ampliava para um grande terreno onde havia um estacionamento. Meu pai me segurava pelo banco da bicicleta e corria, eu pedalava com força e o vento batia no meu rosto. Quando olhei pra trás meu pai gargalhava alto, parado longe, e eu estava andando de bicicleta sem rodinhas.

Como meu pai morreu na minha infância, essas lembranças me nutrem de uma felicidade que precisa durar a minha vida inteira. Cenas que repito na minha mente, de um curto período, para fazer ele ficar vivo comigo ainda hoje. O sorriso dele naquele dia eu reproduzi nos meus 15 anos, na minha formatura, na entrega da minha OAB, no meu casamento e brincando hoje com as gurias. Vejo ele sempre com o sorriso do dia que andei sem as rodinhas.

Esse final de semana, querendo reproduzir minha infância, levamos a Nyanga para andar sem as rodinhas. Escolhi um parque, um percurso de chão batido, mas ela não estava pronta para tantos obstáculos.

Chorou, ficou triste. Subia na bicicleta e afirmava que iria cair e caia.

Vítor sugeriu que fôssemos para outro lugar, asfaltado, mas com maior movimento. Ela seguiu chorando e afirmando que não iria conseguir. Tentamos algumas vezes e ela sempre caindo.

Então sentamos e pedi que o Vítor seguisse o passeio com a Ba Kimoyo que estava distraída em uma cadeirinha na bicicleta dele.

Conversei com a Nyanga, expliquei que nossas palavras têm um poder, um poder de fazer acontecer.

Nos acalmamos, ela tomou um suco e disse que gostaria de tentar novamente. Em linha reta ficamos indo e voltando de um poste a outro. Ela afirmando:

- Não preciso correr, eu vou conseguir.

Ela conseguiu. Acompanhei orgulhosa todo o caminho para ouvi-la dizer:

- Mamãe, eu amei andar de bicicleta.

Dessa vez, ao invés de relembrar o meu pai, eu fui o sorriso da minha filha.