Mãe Preta precisa ser militante?
- grupomaespretas
- 25 de jul. de 2020
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Minha primeira lembrança em que me vi em um lugar com um palestrante dialogando sobre questões raciais foi o Fórum Social Mundial, em 2003. Minha família sempre foi cenário de debates, opiniões políticas, mas quando minha irmã me levou naquela palestra eu entendi que no mundo existiam pessoas que estudavam as condições que os negros viviam e tentavam melhorá-las de alguma forma. De 2004 até me tornar mãe, em 2017, aprofundei meus conhecimentos, me posicionei ideologicamente, mas com a maternidade algo da militância se transformou (dizer que morreu talvez seja muito definitivo). Como uma loba me vi focada em fazer aquela menininha de pernas finas crescer e ganhar peso, minha luta era não enlouquecer acumulando poucas horas de sono, não surtar escutando um choro que não entendia a razão.
Mas o racismo é um sistema bem articulado que nos oprime independente do estudo que tenhamos acumulado, certo? Independente de você não estar afim, de você naquele momento ter resolvido se dedicar exclusivamente ao ser mais importante da sua vida, seu filho. E como uma ironia foi a maternidade que me acordou sobre a necessidade de voltar a lutar para melhorar a condição de vida de pessoas negras, tal qual na palestra do Fórum de 2004. Foi a objetificação do corpo da minha filha que impulsionou meu retorno.
Estávamos saindo de uma consulta médica e ventava muito no dia. Quem carregava minha filha era o pai dela, tapando seu rosto para protegê-la com uma manta. Foi quando uma mulher branca o abordou dizendo que queria ver o bebê. Parece óbvio que não iríamos expor nossa filha a uma ventania para suprir a curiosidade de uma estranha. A mulher se agarrou na manta e tentou puxá-la dizendo que iria ver criança. Meu marido puxou de volta e a mulher saiu ainda falando que era um absurdo ele esconder uma criança. Você consegue imaginar uma família com estereótipo da Angélica e do Luciano Huck passando por essa situação? Mas decisões de famílias negras são contestadas a todo tempo e isso é um ranço colonial.
Somos confrontados quando não mostramos o bebê, quando não permitimos que toquem em seus corpos, cabelos, pois existe um imaginário que ainda nos vê na condição de propriedade da branquitude, inexistindo qualquer constrangimento da parte deles em agir como se houvesse a posse dos nossos corpos.
Não existe a necessidade de uma mãe preta ser militante. Ninguém é obrigado a nada, mas uma mãe preta que tem conhecimento sobre como o sistema opera, reconhece estratégias de proteção para os seus e para si mesma. Então, preta, hoje dia Internacional da Mulher Negra-Latina-Americana e Caribenha, te digo para respeitar os teus limites, teu tempo, para saber a respeito da sua negritude, mas jamais ignore-o. Conhecimento é poder e somente através dele nossa libertação será concretizada.